Observatório se posiciona em defesa da Classificação Indicativa

Este Observatório da Mídia é uma das dezenas de entidades que assina a nota pública abaixo, mostrando a preocupação sobre a fala do ministro da Justiça Torquato Jardim em acabar com a árdua conquista para a sociedade que foi a Classificação Indicativa. E ainda vale destacar que a própria Constituição de 1988 é quem prevê tal dispositivo:

Art. 21. Compete à União: XVI - exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão;

e

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 3º Compete à lei federal: I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao poder público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;

 

Lembramos que uma das primeiras ações de pesquisa quando da criação do Observatório da Mídia, em 2006, foi para dar apoio ao Ministério da Justiça, que estava enfrentando duras críticas de setores da mídia, sob a alegação de que a Classificação Indicativa era o retorno da censura.

Leia a nota na íntegra:

As instituições que subscrevem este documento recebem com extrema preocupação as declarações do Ministro da Justiça, Torquato Jardim, acerca da política brasileira de Classificação Indicativa de obras audiovisuais, publicadas na coluna da jornalista Monica Bergamo, da Folha de S. Paulo, no último dia 4 de outubro.

Antes de tudo, surpreende o desconhecimento do Ministro a respeito dos aspectos essenciais de uma política que está sob sua direta responsabilidade. Ao contrário do que afirmou, não há “uma repartição em Brasília para dizer a idade em que se pode assistir a novela e cinema no país”. O modelo de classificação vigente, regrado pela Portaria MJ nº 368/2014, opera segundo o princípio da corregulação, priorizando o processo de autoclassificação de conteúdos. Dessa forma, está majoritariamente nas mãos dos próprios produtores das obras audiovisuais a prática classificatória, cabendo à equipe da Coordenação de Classificação Indicativa, órgão vinculado à Secretaria Nacional de Justiça e Cidadania do Ministério da Justiça, realizar o monitoramento do sistema.

A efetividade desse modelo é evidenciada, em especial, pelos indicadores relativos à autoclassificação das séries e telenovelas, que apontam para pouquíssimos casos de divergência entre aquilo que as emissoras definem e a ação de supervisão exercida pelo Ministério. Esse contexto harmonioso que predomina entre as partes envolvidas nos procedimentos relativos à política é corroborado pela pesquisa “Classificação Indicativa nos Tribunais: elementos jurídicos da política”, produzida pela FGV Direito-SP, a qual registra um grau mínimo de litigiosidade em torno do sistema em vigor no país.

Tais dados não oferecem sustentação, portanto, ao comentário do ministro de que esse sistema seria “uma loucura”. Na verdade, o modelo brasileiro de Classificação Indicativa conta com o reconhecimento de autoridades como o Relator Especial sobre a Promoção e Proteção do Direito à Liberdade de Opinião e Expressão das Nações Unidas (ONU) e o Relator Especial para a Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA), precisamente por estar alinhado aos padrões internacionais para a garantia dos direitos de crianças e adolescentes no campo da comunicação de massa. Esse arranjo corregulatório é adotado amplamente pelas nações democráticas, entre as quais os Estados Unidos, ao contrário do que sugere o ministro na nota mencionada.

Não bastassem esses elementos, a Classificação Indicativa também se destaca como uma política que efetivamente serve à população brasileira, que a valoriza e legitima. Segundo levantamento realizado em 2014 pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas, 72% dos respondentes avaliaram a política com o conceito “ótimo/bom”, enquanto 20% a consideraram “regular” e apenas 7% marcaram “ruim/péssimo”.

Por fim, a afirmação do ministro de que “está na hora de a sociedade assumir isso” soa, no mínimo, como um contrassenso, pois parece desconhecer a existência do Comitê de Acompanhamento pela Sociedade Civil para a Classificação Indicativa (CASC), vinculado ao próprio Ministério, que reúne diversas organizações que fazem o monitoramento desta política pública – várias delas signatárias desta nota.

Criado pela Portaria MJ nº 25/2012, o Comitê tem o objetivo de ser um instrumento de avaliação permanente da política pública, por meio do compartilhamento periódico de impressões, críticas e sugestões entre a sociedade civil e a equipe responsável pela operação do sistema classificatório. Essa iniciativa é convergente com a abordagem adotada pelo Ministério da Justiça, ainda no período de formulação da política (2005-2007), que envolveu em processos de consulta pública e debates os diversos setores interessados e estudos sobre os modelos de classificação utilizados por outras democracias.

Por mais de dois anos, entretanto, o Ministério da Justiça deixou de convocar as reuniões semestrais do CASC, alijando a sociedade de seu direito de contribuir para os rumos da política. Sua última reunião, realizada em setembro passado, só veio a concretizar-se após ampla insistência dos membros do Comitê. Agora o ministro fala em transferir para a sociedade uma obrigação que, segundo a Constituição Federal, é também do Estado brasileiro.

Em síntese, a política de Classificação Indicativa é um dos raros exemplos de prática de corregulação efetiva no campo da mídia hoje em vigor no Brasil. Ela é bem sucedida ao dar vazão aos princípios constitucionais de preservação da liberdade de expressão, rechaço à censura e garantia dos direitos da criança e do adolescente.

Em um momento em que o debate sobre a Classificação Indicativa volta à tona, cabe a este Ministério reforçar seu caráter democrático e participativo, de central importância para a infância e adolescência brasileiras, ao invés de sinalizar com o seu desmonte.

Brasília, 09 de outubro de 2017.

Entidades integrantes do CASC

  • ANDI – Comunicação e Direitos
  • Artigo 19
  • Conectas Direitos Humanos
  • Instituto Alana
  • Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

 

Fóruns, redes, federações e confederações

  • AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras
  • Campanha Nacional pelo Direito à Educação
  • Contee – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino
  • DEFEMDE – Rede Feminista de Juristas
  • FENADADOS – Federação Nacional dos Empregados em Empresas e Órgãos Públicos e Privados de Processamento de Dados
  • FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
  • MILC – Movimento Infância Livre de Consumismo
  • Plataforma DHESCA de Direitos Humanos
  • REBRINC – Rede Brasileira Infância e Consumo
  • RENAP – Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares
  • Rede Não Bata, Eduque
  • RNPI – Rede Nacional Primeira Infância
  • SOCICOM – Federação Brasileira das Associações Acadêmicas e Científicas de Comunicação
  • União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (Ulepicc), Capítulo Brasil

 

Entidades nacionais

  • ABONG – Organizações em Defesa dos Direitos e Bens Comuns
  • ACT – Promoção da Saúde
  • Aldeias Infantis SOS Brasil
  • Associação Nacional de Defensores Públicos (ANADEP)
  • Cecip – Centro de Criação de Imagem Popular
  • Centro de Cultura Luiz Freire – CCLF
  • Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
  • CIESP/PUC-RJ – Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância
  • Instituto Avisa Lá
  • Instituto Pólis
  • Instituto de Defensores de Direitos Humanos (DDH)
  • Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH)
  • Justiça Global
  • Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – PFDC/MPF
  • SOS Corpo
  • Terra de Direitos

 

Entidades estaduais

  • Associação de Conselheiros e Ex Conselheiros Tutelares do Piauí (ACONTEPI)
  • Avante – Educação e Mobilização Social – Salvador/BA
  • Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – CEDECA Rio de Janeiro/RJ
  • Centro Educacional Infantil Luz e Lápis – São Paulo/SP
  • Comunidade, Família e Saúde – Programa Integrado de Pesquisa e Cooperação Técnica – Instituto de Saúde Coletiva/Ufba Ics – FASA
  • Fórum das Entidades da Sociedade Civil de Olinda – FESCO/PE
  • Fórum Pernambucano de Comunicação – Fopecom
  • Grupo Comunidade Assumindo Suas Crianças – Olinda/PE
  • Instituto Viva Infância – Salvador/BA
  • Movimento Ibiapabano de Mulheres/CE
  • Observatório da Mídia: direitos humanos, políticas, sistemas e transparência – Universidade Federal do Espírito Santo
  • PEIC – Grupo de Pesquisa em Políticas e Economia da Informação e da Comunicação – Universidade Federal do Rio de Janeiro
  • Sindicato dos Empregados em Empresas de Processamento de Dados, Informática e Tecnologia da Informação do Amapá (Sindpd-AP)
  • Sindicado dos Jornalistas do Distrito Federal
  • Sociedade de Pediatria do Rio de Janeiro
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